A negativa de cobertura de tratamentos médicos pelo plano de saúde tem sido um tema recorrente nos tribunais brasileiros, especialmente quando se trata de procedimentos de alto custo e complexidade, como a fertilização in vitro (FIV). O tratamento de FIV, utilizado por casais que enfrentam dificuldades para conceber um filho, é um procedimento caro e de natureza especializada, o que frequentemente leva a discussões sobre a responsabilidade dos planos de saúde em custear esses tratamentos.
Este artigo tem como objetivo abordar a questão da negativa de cobertura dos tratamentos de fertilização in vitro pelos planos de saúde, apresentando o entendimento dos tribunais brasileiros, as leis que regem essa questão e como os beneficiários podem se proteger contra essa recusa.
O que é a fertilização in vitro e por que ela é necessária?
A fertilização in vitro é um tratamento médico complexo utilizado por casais que enfrentam problemas de fertilidade. Durante o processo, óvulos e espermatozoides são coletados e fertilizados fora do corpo da mulher, em um laboratório. Os embriões resultantes são posteriormente implantados no útero da mulher para que a gravidez possa se desenvolver.
Esse tratamento é indicado em casos de infertilidade de causa masculina ou feminina, e pode ser necessário quando outros tratamentos não surtiram efeito. No Brasil, a fertilização in vitro está prevista como um procedimento médico viável, mas, devido ao alto custo do tratamento e à complexidade dos processos envolvidos, nem todos os planos de saúde cobrem essa modalidade de tratamento.
O que diz a legislação brasileira sobre a cobertura de fertilização in vitro?
O Brasil possui uma legislação que protege os direitos dos pacientes quando se trata de tratamentos médicos, incluindo os realizados com a utilização de planos de saúde. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), aliado à regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), estabelece regras claras sobre o que deve ser coberto pelos planos de saúde.
- Cobertura obrigatória de procedimentos de saúde: De acordo com a Lei nº 9.656/1998, que regula os planos de saúde no Brasil, as operadoras de saúde devem cobrir procedimentos médicos e tratamentos que estejam de acordo com a lista de procedimentos previstos pela ANS. A fertilização in vitro, apesar de ser um tratamento de alto custo, não está entre as exclusões obrigatórias dos planos de saúde, o que significa que os planos de saúde devem cobri-la, desde que o paciente tenha sido devidamente indicado a seguir esse tratamento.
- Garantias do Código de Defesa do Consumidor: O CDC, por sua vez, assegura que as operadoras de planos de saúde não podem criar obstáculos ou restrições abusivas para o acesso dos consumidores a tratamentos médicos necessários. Portanto, a negativa de cobertura de um procedimento essencial, como a fertilização in vitro, é considerada uma prática abusiva e passível de contestação judicial.
Quando um plano de saúde pode recusar a cobertura de fertilização in vitro?
Embora os planos de saúde sejam obrigados a cobrir tratamentos de fertilização in vitro, existem algumas situações em que eles podem alegar a não cobertura do procedimento, geralmente com base em exclusões contratuais ou argumentos sobre a adequação do tratamento ao caso específico.
- Exclusões contratuais: Muitos contratos de planos de saúde incluem cláusulas que limitam a cobertura para determinados tipos de tratamentos, como os relacionados à fertilidade, e podem listar procedimentos como a fertilização in vitro como uma exclusão. No entanto, essas cláusulas não podem ser usadas para impedir a cobertura de um tratamento quando ele é considerado necessário para a saúde do paciente, especialmente se o tratamento for recomendado por um médico e o paciente já tiver tentado outros métodos.
- Carência e outras condições contratuais: Alguns planos de saúde impõem períodos de carência para coberturas de tratamentos complexos. Mesmo que o procedimento de fertilização in vitro esteja coberto, o plano pode alegar que o paciente ainda não cumpriu o período de carência. Esse tipo de cláusula também pode ser contestado judicialmente, especialmente quando se trata de um tratamento de saúde urgente ou necessário para o bem-estar do paciente.
Como os tribunais têm decidido sobre a negativa de cobertura?
Nos últimos anos, os tribunais brasileiros têm demonstrado uma tendência de defender o direito dos pacientes a tratamentos de fertilização in vitro, mesmo em face de cláusulas contratuais que tentam excluir ou limitar a cobertura do plano de saúde. A jurisprudência tem sido favorável aos consumidores, especialmente quando se considera a necessidade do tratamento e as implicações da infertilidade no contexto familiar.
- Decisões favoráveis ao consumidor: Em diversos casos, os tribunais têm entendido que a negativa de cobertura de tratamentos de fertilização in vitro por parte dos planos de saúde é uma prática abusiva e que fere os direitos do consumidor. Os tribunais consideram que, embora o procedimento seja de alto custo, ele não pode ser excluído do rol de tratamentos cobertos, já que se trata de um tratamento médico necessário, indicado por especialistas.
- Obrigação de cobertura: Em situações onde a negativa de cobertura é motivada por exclusões contratuais, os tribunais têm entendido que, em casos como este, a operadora do plano de saúde deve garantir a cobertura integral do tratamento, sob pena de ser responsabilizada por danos morais e materiais. Essa decisão reflete a interpretação de que, mesmo nas exceções contratuais, a cláusula de exclusão não pode prevalecer quando se trata de um tratamento necessário para a saúde do paciente.
- Danos morais: Em alguns casos, quando a negativa de cobertura causa danos à saúde ou à paz emocional do paciente, os tribunais têm determinado o pagamento de danos morais. Esse entendimento se baseia na ideia de que o sofrimento e a angústia causados pela recusa do tratamento de fertilização in vitro podem ser considerados danos imensuráveis, especialmente quando o procedimento é recomendado como última alternativa para a realização do desejo de concepção.
Como proceder diante da negativa de cobertura de fertilização in vitro?
Se um plano de saúde recusar a cobertura de um tratamento de fertilização in vitro, o paciente tem várias opções para buscar seus direitos. É importante agir de maneira rápida e eficiente para garantir que o tratamento seja realizado sem maiores atrasos ou complicações.
- Verificar o contrato do plano de saúde: O primeiro passo é analisar as cláusulas do contrato do plano de saúde. Verifique se existe alguma cláusula específica que exclua a fertilização in vitro ou que limite a cobertura desse tipo de procedimento. É importante também verificar as condições gerais do plano, como carências e limites de cobertura, para entender os argumentos usados pela operadora.
- Solicitar uma justificativa por escrito: Caso o plano de saúde recuse o tratamento, o beneficiário deve solicitar uma justificativa por escrito, detalhando as razões para a negativa. Essa documentação pode ser importante caso seja necessário recorrer ao poder judiciário ou à ANS.
- Denunciar à ANS: A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o órgão responsável pela regulação e fiscalização dos planos de saúde no Brasil. Caso o plano de saúde tenha se recusado a cobrir a fertilização in vitro, o paciente pode registrar uma denúncia à ANS, que pode tomar medidas para garantir o cumprimento das normas.
- Ação judicial: Se o plano de saúde mantiver a negativa de cobertura, o paciente pode ingressar com uma ação judicial. Nesses casos, é recomendável que o beneficiário procure um advogado especializado em direito do consumidor ou direito de saúde para garantir que seus direitos sejam respeitados. O juiz pode determinar a obrigatoriedade do plano de saúde em cobrir o tratamento de fertilização in vitro, bem como determinar o pagamento de danos morais, caso o paciente tenha sofrido prejuízos pela negativa.
Conclusão
A negativa de cobertura de fertilização in vitro por parte dos planos de saúde é uma prática que pode ser questionada judicialmente, uma vez que a legislação brasileira protege o direito dos consumidores a tratamentos médicos necessários para a preservação da saúde e da dignidade. Os tribunais têm demonstrado uma postura favorável aos pacientes, reconhecendo que a infertilidade é uma condição que exige a cobertura de tratamentos médicos adequados. Em caso de recusa, é essencial que o paciente esteja ciente de seus direitos e busque assistência jurídica para garantir que o tratamento seja realizado e que a operadora de plano de saúde cumpra sua obrigação legal.