Saúde

Plano de saúde recusa tratamento de câncer: Como agir para garantir o direito ao tratamento adequado?

A recusa do plano de saúde em custear o tratamento de câncer é uma situação alarmante que pode comprometer seriamente a vida e a dignidade do paciente. Ainda que o ordenamento jurídico brasileiro assegure o direito à saúde como fundamental, muitos beneficiários enfrentam obstáculos ao buscar cobertura para quimioterapia, radioterapia, imunoterapia, cirurgia oncológica, medicamentos de alto custo e outros procedimentos indispensáveis. Quando a recusa ocorre, o paciente ou sua família precisa agir com urgência para garantir o tratamento adequado. Neste artigo, analisamos o que a legislação brasileira diz, quando a negativa é ilegal, e quais medidas podem ser tomadas para assegurar o direito ao tratamento do câncer.

O direito à saúde como garantia constitucional

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 6º e artigo 196, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas. Embora os planos de saúde sejam empresas privadas, a prestação de seus serviços está submetida ao controle e regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e aos princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além da legislação específica do setor.

Assim, ao contratar um plano de saúde, o consumidor está adquirindo um serviço essencial à vida. A recusa de tratamento, especialmente para uma doença grave como o câncer, pode configurar violação à dignidade da pessoa humana e prática abusiva, conforme os princípios da boa-fé e função social do contrato.

O que pode ser considerado recusa de tratamento

A recusa pode se apresentar de várias formas e nem sempre é expressa diretamente como uma negativa de cobertura. Em muitos casos, os planos utilizam subterfúgios como:

  • Alegação de que o medicamento ou o procedimento não está no Rol da ANS;
  • A justificativa de que o tratamento não é reconhecido pelo plano como eficaz;
  • Imposição de tratamentos alternativos e menos eficazes;
  • Rejeição de medicamentos off-label, mesmo com indicação médica;
  • Negativa de exames complementares ou terapias de apoio, como fisioterapia ou nutricionista oncológico;
  • Exclusão de cobertura de medicamentos orais de uso domiciliar;
  • Alegação de carência contratual mesmo em casos urgentes.

Todas essas formas de negativa, quando injustificadas ou contrárias à prescrição médica, podem ser judicialmente contestadas.

O rol de procedimentos da ANS e sua natureza jurídica

A ANS publica periodicamente um Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que estabelece a cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde. Este rol inclui diversos tratamentos oncológicos, como quimioterapia, radioterapia, cirurgia oncológica e medicamentos.

Até junho de 2022, havia dúvidas quanto ao caráter taxativo ou exemplificativo desse rol. No entanto, em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já reconheceram que o rol da ANS é taxativo mitigado, o que significa que tratamentos fora do rol podem ser cobertos, desde que preencham alguns critérios, como:

  • Existência de prescrição médica;
  • Eficácia comprovada;
  • Indicação baseada em diretrizes nacionais ou internacionais reconhecidas;
  • Ausência de alternativa terapêutica no rol.

Dessa forma, a negativa com base exclusiva na ausência de cobertura pelo rol da ANS pode ser considerada abusiva e inconstitucional, se o tratamento for essencial à saúde do paciente.

O papel do Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é amplamente aplicado às relações entre pacientes e operadoras de planos de saúde. O artigo 14 do CDC impõe a responsabilidade objetiva das empresas por falha na prestação do serviço, o que inclui negativa indevida de cobertura médica.

Além disso, o artigo 51 do CDC considera nulas cláusulas contratuais que:

  • Limitem direitos essenciais do consumidor;
  • Estabeleçam obrigações excessivamente desvantajosas;
  • Permitam a recusa de cobertura sem justificativa plausível.

Assim, o plano de saúde não pode se esconder atrás de cláusulas contratuais genéricas ou alegações administrativas para descumprir o seu dever legal de garantir o tratamento adequado ao paciente oncológico.

Jurisprudência favorável ao paciente com câncer

A jurisprudência dos tribunais brasileiros é amplamente favorável ao paciente oncológico que sofre com a recusa de tratamento pelo plano de saúde. O Poder Judiciário tem considerado que:

  • A vida e a saúde estão acima de cláusulas contratuais;
  • O médico que acompanha o paciente é quem detém autoridade técnica para prescrever o melhor tratamento;
  • A negativa de cobertura pode ensejar indenização por danos morais, dada a angústia e o sofrimento gerado ao paciente e seus familiares.

Exemplo de decisão:

TJSP – “É abusiva a negativa de fornecimento de medicamento para tratamento de câncer, prescrito por médico especialista, com a justificativa de que o fármaco não consta no rol da ANS.”

STJ – “A operadora de plano de saúde não pode interferir na escolha do tratamento prescrito pelo médico responsável, sob pena de violação da boa-fé contratual e da dignidade do paciente.”

Esses entendimentos consolidam a proteção judicial ao paciente que precisa de tratamento imediato e não pode aguardar discussões burocráticas.

O que fazer diante da recusa de tratamento

Ao se deparar com a negativa do plano de saúde para tratamento de câncer, o paciente ou seus familiares devem seguir um roteiro que assegure seus direitos e viabilize a judicialização, se necessário:

  1. Solicite a negativa por escrito: a Resolução Normativa nº 395/2016 da ANS obriga o plano a fornecer a justificativa da recusa, de forma clara e detalhada, no prazo de até 24 horas.
  2. Guarde todos os documentos médicos: laudos, receitas, prescrição do oncologista, exames que comprovem a necessidade do tratamento, histórico da doença.
  3. Busque orientação jurídica imediata: um advogado especializado em direito à saúde pode ingressar com uma ação judicial com pedido de liminar para garantir o início ou continuidade do tratamento de forma urgente.
  4. Registre uma reclamação na ANS: pelo telefone 0800-701-9656 ou pelo site da ANS. A denúncia pode gerar sanções à operadora.
  5. Aja com rapidez: doenças oncológicas exigem tratamento imediato. A demora pode causar agravamento do quadro clínico ou até a morte do paciente. Por isso, as decisões judiciais costumam ser ágeis em casos de urgência.

Tutela de urgência no Judiciário

A ação judicial com pedido de tutela de urgência (liminar) é o caminho mais eficaz para obrigar o plano de saúde a autorizar o tratamento do câncer. O juiz, diante da urgência e da documentação médica, pode conceder a liminar em poucas horas ou dias, determinando:

  • A liberação imediata do medicamento ou procedimento;
  • A aplicação de multa diária em caso de descumprimento;
  • A obrigação de custear todos os exames e terapias necessárias.

Não raro, essas decisões também incluem autorização para reembolso do tratamento caso o paciente tenha arcado com os custos por conta própria.

Danos morais pela recusa de tratamento

A recusa indevida de tratamento contra o câncer não afeta apenas a saúde física do paciente, mas também sua estabilidade emocional, sua dignidade e sua esperança de vida. Por isso, muitos tribunais reconhecem o direito à indenização por danos morais nesses casos.

O valor da indenização varia conforme a gravidade da situação, a condição financeira do paciente, a conduta da operadora e o tempo de demora no início do tratamento.

Exemplos de situações que costumam gerar dano moral:

  • Recusa injustificada mesmo diante de prescrição médica;
  • Atraso na liberação de tratamento urgente;
  • Desrespeito à dignidade do paciente ou de seus familiares;
  • Sofrimento causado por agravamento da doença durante a espera.

Tratamentos oncológicos mais comuns com recusa indevida

Diversos procedimentos e medicamentos voltados ao tratamento do câncer têm sido objeto de negativa abusiva por parte dos planos de saúde. Entre os mais recorrentes estão:

  • Quimioterapia oral: principalmente medicamentos de uso domiciliar, que muitos planos ainda se recusam a cobrir, apesar da legislação vigente garantir a cobertura.
  • Imunoterapia: tratamentos de alto custo e com alta eficácia para certos tipos de câncer, muitas vezes negados por não constarem no rol da ANS.
  • Radioterapia avançada (IMRT, braquiterapia): algumas operadoras tentam empurrar técnicas obsoletas e menos eficazes.
  • Cirurgias minimamente invasivas: como robóticas, que reduzem o tempo de recuperação, mas são negadas por seu custo elevado.
  • Medicamentos off-label: com base em protocolos internacionais, embora a ANS permita a cobertura nesses casos, a negativa ainda é frequente.

A importância de um bom acompanhamento jurídico

Contar com o apoio de um advogado experiente em direito à saúde é fundamental para enfrentar a recusa de tratamento oncológico com eficácia. Esse profissional saberá:

  • Redigir uma petição com os fundamentos legais e jurisprudenciais corretos;
  • Reunir provas e documentos médicos necessários;
  • Agir com rapidez para evitar que o paciente sofra prejuízos irreversíveis;
  • Pleitear, se for o caso, indenização por danos morais e materiais.

Em muitos casos, a simples notificação extrajudicial do advogado já leva o plano de saúde a recuar e autorizar o tratamento, evitando o ajuizamento da ação.

Perguntas e respostas

O plano pode recusar tratamento de câncer por não estar no rol da ANS?
Não necessariamente. Se houver indicação médica, eficácia comprovada e ausência de alternativa no rol, a recusa pode ser considerada ilegal.

E se o plano alegar que o tratamento é experimental?
É necessário avaliar se existe respaldo científico para o tratamento. O fato de não constar no rol da ANS não o torna automaticamente experimental. Havendo prescrição médica fundamentada, é possível contestar judicialmente.

Quimioterapia oral tem cobertura obrigatória?
Sim. A Lei nº 12.880/2013 obriga os planos de saúde a cobrir quimioterapia oral para tratamento de câncer, inclusive medicamentos de uso domiciliar.

Em quanto tempo sai a liminar judicial?
Dependendo do caso e da urgência, o juiz pode decidir em 24 a 72 horas. Por isso, a documentação médica deve estar completa e o pedido bem fundamentado.

Posso ser indenizado se a recusa causou danos à minha saúde?
Sim. A recusa injustificada pode gerar indenização por danos morais e materiais, especialmente se houver agravamento da doença ou necessidade de custear o tratamento por conta própria.

Tenho direito a reembolso se pagar o tratamento por conta própria?
Sim, se o plano negou indevidamente, é possível ingressar com ação judicial para reembolso dos valores pagos.

Conclusão

O tratamento do câncer é uma emergência médica e um direito garantido pela legislação brasileira. A negativa de cobertura por parte do plano de saúde, quando o procedimento é necessário e prescrito por um médico, configura abuso contratual e afronta aos direitos do consumidor.

O paciente ou sua família deve agir com rapidez, reunir a documentação médica e buscar auxílio jurídico especializado. A Justiça brasileira tem se posicionado de forma clara em favor do paciente oncológico, garantindo acesso aos melhores tratamentos disponíveis, mesmo que não estejam previstos no rol da ANS. A vida não pode esperar por decisões administrativas ou burocráticas. O direito à saúde e à vida deve prevalecer.

gustavosaraiva1@hotmail.com

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