Saúde

Recusa de plano de saúde para procedimentos de estética: O que a legislação diz?

A recusa de cobertura por planos de saúde para procedimentos estéticos é uma situação recorrente que gera dúvidas e insatisfação entre os beneficiários. Em muitos casos, os usuários acreditam que têm direito à realização de procedimentos com fins estéticos ou reparadores, mas são surpreendidos com a negativa da operadora. No entanto, nem toda recusa é legal. A legislação brasileira estabelece limites e critérios para a cobertura de tratamentos, inclusive aqueles ligados à estética, quando possuem finalidade terapêutica ou reparadora. Neste artigo, vamos entender o que a legislação diz, quando a recusa é permitida, quais os direitos do paciente e como recorrer judicialmente.

Diferença entre procedimento estético e terapêutico

Antes de qualquer análise jurídica, é fundamental compreender a diferença entre procedimentos puramente estéticos e aqueles com finalidade terapêutica ou reparadora. Os procedimentos estéticos são realizados com o objetivo de melhorar a aparência física do indivíduo, sem que haja uma necessidade médica comprovada. Já os procedimentos com finalidade terapêutica ou reparadora visam restaurar funções do corpo, corrigir deformidades ou tratar doenças, ainda que também proporcionem melhoria estética.

Exemplos de procedimentos estéticos incluem aplicação de botox para rugas, preenchimentos faciais, lipoaspiração com finalidade unicamente visual, entre outros. Por outro lado, procedimentos como a reconstrução mamária após mastectomia, cirurgia para correção de orelhas de abano em crianças com sofrimento psicológico e abdominoplastia pós-bariátrica, quando há excesso de pele que causa infecções ou dificuldades de locomoção, são considerados terapêuticos ou reparadores.

O que diz a ANS sobre procedimentos estéticos

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão regulador dos planos de saúde no Brasil, estabelece um Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista as coberturas obrigatórias para os planos regulamentados. De forma geral, procedimentos exclusivamente estéticos não constam nesse rol e, portanto, não são de cobertura obrigatória.

No entanto, a ANS também deixa claro que, quando o procedimento tem finalidade terapêutica, mesmo que traga benefícios estéticos, ele pode estar incluído na cobertura obrigatória, desde que haja indicação médica e respaldo técnico. A recomendação é que a solicitação seja bem fundamentada por relatório médico detalhado e, quando necessário, acompanhada de exames que comprovem a necessidade clínica do tratamento.

Quando a recusa do plano de saúde é considerada ilegal

A recusa de cobertura pode ser considerada ilegal quando o procedimento, embora tenha resultado estético, for necessário para garantir a saúde, a funcionalidade ou a integridade do paciente. Nesses casos, o plano de saúde não pode recusar a cobertura com o argumento genérico de que se trata de “procedimento estético”.

Exemplos de situações em que a recusa pode ser ilegal:

  • Reconstrução mamária após câncer de mama, incluindo a simetrização da mama contralateral;
  • Cirurgias para correção de deformidades congênitas ou adquiridas que afetam a autoestima e o bem-estar psicológico;
  • Procedimentos reparadores pós-cirurgias bariátricas, quando há indicação médica devido a complicações de saúde, como dermatites, infecções e limitações funcionais;
  • Correções funcionais em casos de desvio de septo com apneia, mesmo que a cirurgia também melhore a estética do nariz;
  • Tratamentos dermatológicos para sequelas de queimaduras, cicatrizes ou acne grave, que afetam psicologicamente o paciente.

Nessas situações, a negativa pode ser contestada, especialmente se for genérica, sem análise do caso concreto e sem justificativa técnica adequada.

Fundamentos legais aplicáveis

A Constituição Federal assegura o direito à saúde como um direito fundamental, previsto no artigo 6º e garantido pelo Estado. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sua vez, estabelece que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, e proíbe cláusulas abusivas (art. 51). Além disso, a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98) e as resoluções da ANS regulamentam os deveres das operadoras.

Segundo entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as cláusulas contratuais que excluem procedimentos com finalidade terapêutica são nulas por serem abusivas. O STJ já decidiu que é ilegal a negativa de cobertura de cirurgia plástica reparadora com finalidade médica, ainda que traga melhora estética como consequência.

Outro ponto importante é que o Código Civil, no artigo 421, determina que os contratos devem respeitar a função social, o que significa que o contrato de plano de saúde deve cumprir sua finalidade principal: preservar e recuperar a saúde do beneficiário.

A importância do relatório médico detalhado

Para evitar a recusa ou preparar-se para contestá-la, é essencial que o paciente tenha um relatório médico detalhado que justifique a indicação do procedimento. Esse documento deve conter:

  • O diagnóstico e os sintomas apresentados;
  • A descrição do impacto do problema na saúde física e/ou mental do paciente;
  • A indicação do procedimento proposto;
  • A justificativa de que o procedimento é necessário para garantir a saúde, evitar complicações, melhorar a funcionalidade ou restaurar a integridade do corpo;
  • Referências clínicas, quando possível.

Quanto mais técnico e bem fundamentado o relatório, maiores as chances de êxito em uma eventual contestação administrativa ou judicial.

Como agir diante da recusa do plano de saúde

Ao receber a negativa de cobertura, o consumidor deve solicitar da operadora uma justificativa por escrito. Esse documento é obrigatório e deve ser entregue em até 24 horas, conforme determina a Resolução Normativa nº 395/2016 da ANS.

Em seguida, é possível:

  • Registrar uma reclamação na própria ANS, que poderá intermediar a solução;
  • Buscar o auxílio de um advogado para ajuizar uma ação com pedido de tutela de urgência, especialmente em casos em que o procedimento é urgente ou impacta significativamente na saúde do paciente;
  • Denunciar à Defensoria Pública ou ao Procon, caso o paciente não tenha condições de arcar com advogado particular.

O Judiciário tem sido amplamente favorável aos pacientes, sobretudo quando o procedimento tem indicação médica e é necessário para garantir saúde e qualidade de vida.

Jurisprudência sobre o tema

A jurisprudência brasileira tem consolidado o entendimento de que a recusa de cobertura de procedimentos com finalidade terapêutica é indevida. Veja alguns exemplos:

  • TJSP – Apelação Cível: “Tratando-se de cirurgia reparadora após mastectomia, sua cobertura é obrigatória. A exclusão contratual é abusiva.”
  • STJ – Recurso Especial 1.733.013/SP: “É abusiva a cláusula contratual que exclui da cobertura cirurgia plástica reparadora após cirurgia bariátrica, quando indicada por prescrição médica.”
  • TJMG – “Negativa de cobertura de otoplastia em menor que sofre bullying por orelhas proeminentes. Procedimento tem função reparadora. Recusa indevida.”

Essas decisões reforçam a tese de que não basta rotular o procedimento como “estético”, sendo necessário avaliar sua função médica.

Cláusulas contratuais abusivas

As cláusulas que estabelecem a exclusão genérica de todos os procedimentos estéticos, sem distinguir entre estética e terapia, podem ser consideradas abusivas. O CDC considera abusiva qualquer cláusula que retire do consumidor direitos essenciais ou que coloque o fornecedor em vantagem excessiva.

Assim, cláusulas que excluem cirurgia reconstrutiva, dermatologia corretiva ou outros procedimentos com fundamentação médica, mesmo que tragam resultado estético, podem ser anuladas judicialmente.

Além disso, a ausência de clareza no contrato também é um problema. O plano deve descrever de forma objetiva e compreensível quais procedimentos estão excluídos e em que condições, sob pena de violação do direito à informação.

O papel do advogado na defesa do consumidor

O auxílio de um advogado especializado em direito à saúde é fundamental em casos de negativa indevida. Esse profissional pode:

  • Analisar a legalidade da recusa;
  • Orientar sobre os documentos necessários para contestar a decisão;
  • Representar o paciente judicialmente com pedido de urgência;
  • Pleitear indenização por danos morais, caso o paciente tenha sofrido prejuízos físicos ou psicológicos pela recusa injustificada.

Em casos extremos, como agravamento do quadro clínico ou risco de morte, o Judiciário costuma conceder liminares obrigando o plano a realizar o procedimento de imediato.

Procedimentos mais comuns com recusa indevida

Alguns dos procedimentos que frequentemente enfrentam negativa, mas que podem ser contestados por terem finalidade médica, incluem:

  • Mamoplastia redutora em casos de dores e problemas na coluna;
  • Abdominoplastia pós-bariátrica, quando há excesso de pele infeccionando;
  • Rinoplastia com correção de desvio de septo;
  • Blefaroplastia (retirada de excesso de pele das pálpebras) quando compromete a visão;
  • Cirurgias de reconstrução facial ou corporal após acidentes ou agressões.

Cada caso deve ser analisado individualmente, mas a orientação médica é sempre determinante.

Perguntas e respostas

Procedimentos estéticos são sempre excluídos dos planos de saúde?
Não. Procedimentos com finalidade exclusivamente estética podem ser excluídos, mas se tiverem indicação terapêutica ou reparadora, a recusa pode ser ilegal.

Como saber se o meu caso é estético ou terapêutico?
Depende da análise médica. Se o procedimento for indicado para tratar uma condição de saúde, restaurar função ou integridade corporal, mesmo que tenha efeito estético, pode ser considerado terapêutico.

O plano pode recusar cirurgia plástica após bariátrica?
Pode recusar se for puramente estética. No entanto, se houver laudo médico indicando que o excesso de pele causa problemas de saúde, a recusa pode ser ilegal.

E se o plano disser que o procedimento não está no rol da ANS?
A ausência no rol da ANS não impede a cobertura de tratamentos com comprovação médica e finalidade terapêutica. O rol é exemplificativo, segundo entendimento do STJ.

Preciso de advogado para processar o plano?
Sim, para entrar com ação judicial é necessário advogado. Caso não possa pagar, a Defensoria Pública pode ajudar gratuitamente.

Posso ser indenizado se a recusa me causou prejuízo?
Sim, é possível pedir indenização por danos morais e materiais, especialmente se houve agravamento da saúde, atraso em tratamento ou constrangimentos.

Conclusão

A recusa de cobertura por parte dos planos de saúde para procedimentos estéticos deve ser cuidadosamente analisada à luz da legislação brasileira. Quando o procedimento tem finalidade exclusivamente estética, a negativa pode ser legítima. No entanto, se houver necessidade terapêutica ou reparadora, a recusa pode ser considerada abusiva e ilegal.

Cabe ao consumidor buscar orientação médica adequada, exigir a justificativa da recusa por escrito e, quando necessário, procurar o Judiciário para garantir seus direitos. O Judiciário tem se posicionado firmemente na proteção do direito à saúde, anulando cláusulas abusivas e reconhecendo a obrigação dos planos em cobrir tratamentos que vão além da estética, mas que são fundamentais para a saúde e dignidade do paciente.

gustavosaraiva1@hotmail.com

Recent Posts

Recusa de plano de saúde: O que fazer quando seu pedido de cobertura é negado?

A recusa de cobertura por parte de um plano de saúde é uma situação que…

21 horas ago

Como contestar a recusa de cobertura de plano de saúde: Passo a passo legal

A recusa de cobertura por parte dos planos de saúde é uma situação angustiante e,…

21 horas ago

Recusa de tratamento por plano de saúde: Quais são os direitos do consumidor?

A recusa de tratamento por parte dos planos de saúde é uma situação recorrente no…

21 horas ago

Recusa de atendimento de urgência e emergência: O que fazer?

A recusa de atendimento de urgência e emergência por parte dos planos de saúde é…

21 horas ago

Plano de saúde negando exames essenciais: Como buscar a cobertura devida?

A negativa de exames essenciais por parte dos planos de saúde é uma das práticas…

21 horas ago

Recusa de planos de saúde em casos de doenças preexistentes: O que diz a lei?

A contratação de um plano de saúde visa garantir acesso ágil e seguro a atendimentos…

21 horas ago