Saúde

Recusa de planos de saúde a tratamentos de doenças graves: Como garantir seus direitos?

A recusa de cobertura por planos de saúde é uma situação delicada que ganha contornos ainda mais graves quando envolve pacientes diagnosticados com doenças que colocam a vida em risco ou exigem tratamento imediato e contínuo. Câncer, esclerose múltipla, doenças autoimunes, insuficiências cardíacas, degenerativas ou pulmonares estão entre as patologias que exigem intervenções rápidas e eficazes. No entanto, mesmo diante dessas situações, é comum que as operadoras neguem procedimentos, medicamentos ou internações sob justificativas contratuais ou administrativas. Este artigo aborda a legalidade dessas recusas, os direitos do consumidor, os mecanismos de proteção previstos na legislação e como o paciente pode recorrer à Justiça para garantir o tratamento adequado.

O direito à saúde como garantia constitucional

A Constituição Federal, em seu artigo 6º e especialmente no artigo 196, assegura a saúde como direito social e fundamental de todos os cidadãos. Embora os planos de saúde sejam empresas privadas, sua atuação deve estar em conformidade com os princípios constitucionais e com a legislação infraconstitucional que protege o consumidor.

O contrato de plano de saúde não é um contrato comum. Ele lida diretamente com bens jurídicos essenciais, como a vida e a dignidade da pessoa humana. Portanto, os direitos do beneficiário não podem ser tratados com base exclusivamente na lógica comercial. A prestação adequada do serviço, especialmente em situações de risco, deve prevalecer sobre cláusulas que limitem direitos essenciais.

O que diz a legislação sobre cobertura de doenças graves

A Lei nº 9.656/1998, conhecida como a Lei dos Planos de Saúde, regulamenta a cobertura assistencial das operadoras e determina que o tratamento de doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde deve estar incluído na cobertura do plano, desde que compatível com a segmentação contratada.

Além disso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece, por meio do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a lista mínima obrigatória de exames, terapias, medicamentos e cirurgias que os planos devem cobrir. Embora o rol seja taxativo, ele pode ser flexibilizado judicialmente com base em prescrição médica e na ausência de alternativa eficaz.

Quando a doença é grave e o tratamento indicado é o único ou o mais eficaz disponível, a recusa do plano pode violar tanto a legislação setorial quanto os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ensejando judicialização.

Situações em que a recusa é considerada ilegal

O plano de saúde não pode negar tratamento de doença grave quando há prescrição médica fundamentada e cobertura contratual da doença. São consideradas negativas abusivas e ilegais:

  • Recusa baseada apenas no fato de o procedimento ou medicamento não estar no rol da ANS;
  • Recusa de medicamentos de uso domiciliar com cobertura obrigatória, como quimioterápicos orais;
  • Recusa de tratamentos off-label (fora da bula) quando não há alternativa eficaz e há indicação médica;
  • Recusa de internações prolongadas, cirurgias complexas ou terapias especializadas prescritas para controle da doença;
  • Interrupção de tratamentos em andamento, sem justificativa médica ou técnica;
  • Exigência de troca de medicamento eficaz por opções genéricas ou de menor custo, sem respaldo clínico.

Tais recusas são reiteradamente consideradas ilegais pelos tribunais, com base nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da prevalência da prescrição médica sobre decisões administrativas da operadora.

O papel do código de defesa do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é amplamente aplicado às relações entre beneficiários e operadoras de plano de saúde. Ele estabelece:

  • A nulidade de cláusulas abusivas que limitem direitos essenciais (art. 51);
  • A obrigação de fornecimento adequado do serviço contratado (art. 20);
  • A responsabilidade objetiva da operadora por falha na prestação do serviço (art. 14);
  • O direito à reparação por danos morais e materiais (art. 6º, VI);
  • A possibilidade de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII).

Portanto, mesmo que o contrato contenha cláusulas de exclusão, se elas forem genéricas, ambíguas ou limitarem o tratamento de doença grave, podem ser consideradas nulas pelo Judiciário.

O entendimento do poder judiciário sobre o tema

A jurisprudência brasileira tem reconhecido o direito do consumidor de plano de saúde ao tratamento completo, adequado e eficaz para doenças graves. O entendimento majoritário dos tribunais é de que:

  • O rol da ANS é uma diretriz mínima e não pode ser utilizado como única justificativa para recusar tratamento prescrito;
  • A decisão sobre qual tratamento deve ser adotado cabe exclusivamente ao médico assistente, e não à operadora;
  • A vida e a saúde do paciente se sobrepõem à argumentação contratual ou comercial das operadoras;
  • A recusa indevida de tratamento pode gerar danos morais e a obrigação de indenização.

Exemplos de decisões incluem condenações por recusa de quimioterapia, fornecimento de medicamentos importados, internações para doenças neurológicas degenerativas e cirurgia cardíaca em paciente de alto risco.

Como agir diante da recusa de tratamento

Diante da negativa de cobertura por parte do plano de saúde, especialmente em casos de doenças graves, o beneficiário ou seus familiares devem agir com rapidez. Os passos recomendados são:

Solicitar a negativa por escrito
A Resolução Normativa nº 395/2016 da ANS determina que a operadora deve fornecer, em até 24 horas, a justificativa formal da negativa, com base legal, técnica e contratual.

Reunir relatório médico detalhado
O relatório deve conter diagnóstico, tratamento prescrito, urgência da aplicação, justificativa técnica e riscos da não realização do tratamento.

Registrar reclamação na ANS e no Procon
A reclamação pode ser feita online, por telefone ou presencialmente, e serve como documento auxiliar para comprovar a tentativa de resolução administrativa.

Procurar advogado ou a defensoria pública
Em casos de urgência, é possível ajuizar ação judicial com pedido de tutela de urgência (liminar) para obrigar o plano a custear imediatamente o tratamento.

Guardar todos os comprovantes
Caso o tratamento tenha sido realizado com recursos próprios, é possível pleitear reembolso integral e indenização por danos morais.

O poder da liminar em casos urgentes

Em situações de urgência, como agravamento do quadro clínico, risco de morte, sofrimento ou evolução acelerada da doença, o juiz pode conceder liminar (tutela antecipada) obrigando o plano de saúde a autorizar o tratamento imediatamente.

Essa decisão pode ser proferida em 24 a 72 horas, desde que o pedido esteja bem instruído com documentação médica e prova da recusa. O descumprimento da liminar pode acarretar multa diária, bloqueio de valores da operadora ou até responsabilização por perdas e danos.

Indenização por danos morais e materiais

A recusa injusta de tratamento para doença grave não se limita a uma falha contratual. Ela gera dor, sofrimento, desespero, e, muitas vezes, agrava o estado de saúde do paciente. Por isso, os tribunais reconhecem a possibilidade de indenização por danos morais, cujo valor varia conforme a gravidade da situação e os efeitos causados.

Além disso, caso o consumidor tenha arcado com o custo do tratamento recusado, ele pode pedir na Justiça o reembolso integral das despesas, além da correção monetária e juros legais.

Casos mais comuns de recusa ilegal em doenças graves

Entre os casos mais frequentes de recusa indevida por planos de saúde, destacam-se:

  • Quimioterapia oral de uso domiciliar, mesmo com cobertura obrigatória;
  • Imunoterapia e tratamentos biológicos para câncer e doenças autoimunes;
  • Cirurgias cardiovasculares complexas sem alternativa terapêutica;
  • Internações em unidade de terapia intensiva em casos não emergenciais mas com risco elevado;
  • Medicamentos de alto custo importados com prescrição e ausência de substituto nacional;
  • Fisioterapia e terapias multidisciplinares para doenças neurológicas progressivas.

Todas essas negativas podem ser judicialmente combatidas com alta taxa de êxito.

Perguntas e respostas

A operadora pode se recusar a cobrir tratamento de doença grave alegando que não está no rol da ANS?
Não. O rol é taxativo mitigado. Havendo prescrição médica, eficácia comprovada e ausência de alternativas no rol, a cobertura pode ser exigida judicialmente.

E se o plano alegar que o tratamento é experimental?
Se houver respaldo científico, recomendação médica e ausência de alternativa eficaz, a recusa pode ser considerada abusiva. A jurisprudência reconhece a possibilidade de tratamento off-label ou importado.

Posso ser indenizado se tive minha saúde agravada pela recusa?
Sim. Se o sofrimento, o atraso ou a interrupção do tratamento causaram dano emocional ou físico, é possível pleitear indenização por danos morais e reembolso dos gastos.

O plano pode me obrigar a usar outro medicamento mais barato?
Não. O médico assistente tem autonomia para escolher o melhor tratamento. A substituição só pode ocorrer com concordância clínica e do paciente.

A ação judicial garante o tratamento?
Sim. Com pedido de liminar bem fundamentado, é possível obter decisão judicial obrigando o plano a autorizar o tratamento imediatamente.

Conclusão

A recusa de tratamento de doenças graves por parte dos planos de saúde é uma afronta aos direitos fundamentais do paciente e à legislação brasileira. Embora existam hipóteses de negativa legal, essas são exceções. A ampla maioria das recusas é baseada em argumentos contratuais frágeis, em desrespeito ao diagnóstico clínico e ao direito à saúde.

O consumidor deve estar atento, buscar informação, exigir seus direitos e, se necessário, recorrer ao Judiciário para garantir acesso ao tratamento adequado. A vida e a dignidade humana não podem ser submetidas à lógica de lucro das operadoras. A Justiça brasileira tem se posicionado firmemente ao lado do paciente, reconhecendo que a saúde é um direito essencial e irrenunciável.

gustavosaraiva1@hotmail.com

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