A contratação de um plano de saúde visa garantir acesso ágil e seguro a atendimentos médicos, hospitalares e terapêuticos. No entanto, muitas pessoas se deparam com a negativa de cobertura quando mais precisam, especialmente quando têm alguma doença preexistente. Essa recusa, embora possa ter respaldo legal em algumas situações, muitas vezes é feita de forma abusiva, desrespeitando os direitos do consumidor e os princípios fundamentais do direito à saúde. Neste artigo, você entenderá o que são doenças preexistentes, quando o plano de saúde pode recusar cobertura, quando essa negativa é ilegal, e quais são os mecanismos legais de proteção para o beneficiário.
O que são doenças preexistentes
Doenças preexistentes são aquelas que o beneficiário já sabia possuir no momento da contratação do plano de saúde. Não se trata de qualquer enfermidade anterior, mas sim de condições clínicas já diagnosticadas ou notórias e sintomáticas, e que foram declaradas na proposta de adesão ao plano.
Exemplos comuns incluem hipertensão, diabetes, câncer já diagnosticado, doenças cardíacas, renais ou neurológicas em estágio conhecido. A existência de uma doença preexistente não impede a contratação do plano, mas pode gerar restrições temporárias, conforme a legislação.
A caracterização da preexistência da doença exige análise do estado de saúde do beneficiário na data da contratação, com base em sua ciência inequívoca sobre o diagnóstico ou os sintomas que indicavam a patologia.
O que determina a lei dos planos de saúde
A Lei nº 9.656/1998, que regula os planos de saúde no Brasil, trata especificamente das doenças preexistentes e estabelece um mecanismo legal denominado cobertura parcial temporária. De acordo com essa norma:
- A operadora pode aplicar restrições à cobertura de procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia (como UTI) e cirurgias relacionadas à doença preexistente por um período de até 24 meses.
- Essa restrição só é válida se a doença for declarada na proposta de adesão, e o consumidor concordar formalmente com a cláusula de cobertura parcial temporária.
Caso a operadora não realize exame prévio ou entrevista qualificada, e não prove que o consumidor tinha conhecimento da doença, ela não pode aplicar restrições nem recusar o atendimento.
O que é cobertura parcial temporária
A cobertura parcial temporária é o período de até 24 meses em que a operadora pode restringir cobertura de alguns procedimentos diretamente relacionados à doença preexistente, como cirurgias, internações em UTI e tratamentos complexos. Durante esse tempo, o plano cobre apenas atendimentos básicos, como consultas e exames simples, não relacionados à doença preexistente.
Essa cláusula deve estar expressa no contrato, com base na declaração de saúde prestada pelo beneficiário no momento da contratação. Se o consumidor não informou a existência da doença de forma consciente e inequívoca, não é possível aplicar a cobertura parcial.
Importante destacar que essa limitação é temporária, e após os 24 meses o plano passa a cobrir integralmente todos os procedimentos, mesmo que relacionados à doença preexistente.
Quando a recusa é considerada legal
A recusa de cobertura por doença preexistente pode ser considerada legal apenas quando todas as seguintes condições estiverem presentes:
- A doença foi claramente declarada pelo consumidor na proposta de adesão;
- A operadora aplicou a cláusula de cobertura parcial temporária no contrato;
- O procedimento solicitado está relacionado diretamente à doença preexistente;
- A solicitação foi feita durante o prazo de até 24 meses após a contratação.
Fora dessas hipóteses, a negativa é considerada ilegal, podendo ser contestada com base no Código de Defesa do Consumidor e nas normas da ANS.
Quando a recusa é considerada ilegal
A recusa é considerada abusiva e ilegal nas seguintes situações:
- Quando a operadora não realizou entrevista qualificada para apurar corretamente o estado de saúde do consumidor;
- Quando não houve declaração clara e inequívoca da doença por parte do beneficiário;
- Quando a operadora alega doença preexistente sem apresentar prova de que o paciente tinha ciência da enfermidade na data da contratação;
- Quando a recusa é genérica e sem motivação técnica adequada;
- Quando a doença foi descoberta após a contratação, mesmo que já existisse em fase assintomática;
- Quando o prazo de 24 meses já passou, e a operadora continua negando a cobertura;
- Quando o plano recusa urgência ou emergência mesmo relacionada à doença preexistente.
Essas práticas são consideradas abusivas e ferem os direitos do consumidor, podendo gerar inclusive direito à indenização por danos morais e materiais.
O que diz o código de defesa do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege o beneficiário de planos de saúde contra cláusulas abusivas, condutas enganosas e falhas na prestação do serviço. Ele determina que:
- Cláusulas que limitem direitos essenciais ou coloquem o consumidor em desvantagem excessiva são nulas de pleno direito (art. 51);
- A operadora tem responsabilidade objetiva, ou seja, responde mesmo sem culpa pela recusa indevida de cobertura (art. 14);
- O consumidor tem direito à informação clara e adequada sobre os serviços contratados (art. 6º, III);
- O juiz pode determinar a inversão do ônus da prova, exigindo que a operadora demonstre que a negativa foi legal (art. 6º, VIII).
Assim, se a operadora não comprovar que o consumidor sabia da doença e concordou com as limitações, a recusa de tratamento é considerada injusta e pode ser judicialmente anulada.
O entendimento da jurisprudência
Os tribunais brasileiros têm firmado entendimento protetivo ao consumidor em casos de recusa baseada em doença preexistente. A jurisprudência reconhece que:
- Cabe à operadora comprovar que o consumidor tinha ciência da doença, e que a declarou de forma voluntária;
- A ausência de entrevista qualificada ou prova inequívoca da ciência da enfermidade impede a aplicação de restrições;
- A cláusula de exclusão genérica de doenças preexistentes é abusiva e inválida;
- O plano não pode recusar atendimento emergencial ou de urgência mesmo antes do fim da cobertura parcial temporária.
Exemplos de decisões incluem o reconhecimento de obrigação do plano de autorizar cirurgias, tratamentos oncológicos e internações mesmo durante os 24 meses, quando não houve correta aplicação da cláusula contratual.
O que fazer diante da negativa por doença preexistente
Caso o plano recuse a cobertura de um procedimento ou tratamento alegando doença preexistente, o consumidor deve:
Exigir a negativa por escrito
A ANS determina que a recusa deve ser formalizada, com justificativa técnica e contratual. A ausência de documento pode caracterizar irregularidade.
Solicitar relatório médico
O médico assistente deve emitir laudo com a descrição da doença, sintomas, tratamento necessário e urgência do caso.
Verificar o contrato e a proposta de adesão
É importante analisar se há cláusula de cobertura parcial temporária, se a doença foi declarada e se o prazo de 24 meses já se encerrou.
Registrar reclamação na ANS e no Procon
A denúncia administrativa é um instrumento importante para coibir abusos e pressionar a operadora.
Procurar orientação jurídica especializada
Um advogado pode ajuizar ação com pedido de liminar para obrigar o plano a cobrir imediatamente o tratamento ou procedimento recusado.
O poder da tutela de urgência
Nos casos em que a recusa coloca em risco a vida, a saúde ou a integridade do paciente, o consumidor pode ajuizar ação com pedido de tutela de urgência (liminar). O juiz, diante da urgência e dos documentos apresentados, pode determinar:
- A imediata autorização do tratamento;
- O fornecimento de medicamento ou procedimento hospitalar;
- A internação em UTI, se necessária;
- O pagamento de multa diária em caso de descumprimento.
Essa medida é especialmente importante quando se trata de tratamentos oncológicos, cirurgias de urgência, medicamentos de alto custo ou terapias essenciais para a qualidade de vida.
Possibilidade de indenização e reembolso
Se o consumidor tiver prejuízo em razão da recusa indevida, como agravamento da saúde, sofrimento psicológico ou necessidade de pagar pelo tratamento, é possível buscar:
- Reembolso integral dos valores pagos;
- Indenização por danos morais, com base no abalo emocional e na violação de direitos fundamentais;
- Danos materiais, como despesas com medicamentos, transporte, internações ou consultas particulares.
A Justiça tem concedido essas reparações com base no Código de Defesa do Consumidor e no entendimento de que a saúde não pode ser condicionada à burocracia contratual abusiva.
Perguntas e respostas
O plano pode negar tratamento para doença preexistente?
Somente nos primeiros 24 meses, e desde que a doença tenha sido declarada e a cobertura parcial temporária esteja prevista no contrato. Fora disso, a recusa é ilegal.
O que é entrevista qualificada?
É a análise técnica feita pela operadora no momento da contratação para verificar o real estado de saúde do beneficiário, com base em perguntas claras e conduzidas por profissional habilitado.
E se a doença não foi declarada porque eu não sabia que tinha?
A operadora precisa provar que você tinha ciência inequívoca da doença. Se não houver essa prova, a recusa é considerada indevida.
Posso ser atendido em caso de urgência mesmo com doença preexistente?
Sim. A Lei dos Planos de Saúde obriga o atendimento emergencial a partir de 24 horas da contratação, mesmo que a doença seja preexistente.
Após os 24 meses, a cobertura é total?
Sim. Vencido o prazo da cobertura parcial temporária, o plano é obrigado a custear integralmente todos os tratamentos relacionados à doença.
Conclusão
A recusa de cobertura por parte do plano de saúde com base em doença preexistente deve ser analisada com cautela, pois nem toda negativa é legítima. A legislação brasileira estabelece regras claras sobre a cobertura parcial temporária, mas exige boa-fé, transparência e provas concretas da ciência da doença pelo beneficiário.
O consumidor tem direitos garantidos pela Constituição, pela Lei dos Planos de Saúde, pela ANS e pelo Código de Defesa do Consumidor. Ao enfrentar uma recusa indevida, é fundamental agir rapidamente, reunir documentação, buscar orientação jurídica e, se necessário, recorrer ao Judiciário para garantir o tratamento. A saúde é um direito fundamental, e nenhum contrato pode anular a dignidade e a vida de quem precisa de cuidado.